ARTIGO: A crise do agronegócio em Mato Grosso do Sul e a garantia do direito fundamental ao trabalho

FRANCISCO DAS CHAGAS LIMA FILHO* * O autor é juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados, Mestre em Direito (UnB) e Doutorando em Direito Social pela Universidad Castilla-la Mancha – Espanha e professor na UNIGRAN. Artigo produzido a partir de palestra feita no Diretório Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, em 24.05.06. O direito ao trabalho se materializa na prestação de uma atividade no marco da organização produtiva de bens e serviços que se integra num sistema de livre mercado, como é próprio do sistema capitalista, especialmente no âmbito de uma economia globalizada, na qual por óbvio, a economia brasileira encontra-se inserida até mesmo por imposição de organismos internacionais que ditam o modelo econômico e de desenvolvimento do País. O trabalho como um valor social, constitucionalmente garantido(1) é o trabalho assalariado que constitui elemento definitório de uma sociedade e de toda uma civilização. Nessa perspectiva, o reconhecimento constitucional do trabalho como um valor social e não como mercadoria, como propugnado na Encíclica Papal Rerum Novarum, em 1891, implica na afirmação de uma cidadania que é qualificada pelo trabalho. Todavia, como a sociedade é assimétrica econômica, social e culturalmente, através do trabalho se procura inserir o trabalhador no circuito da produção de bens para o mercado visando-se implementar uma mudança para o progressivo nivelamento dessa situação desigual, onde desempenham um papel ativo tanto os poderes públicos quanto, especialmente, os próprios trabalhadores através das suas organizações representativas, vale dizer: os sindicatos que, infelizmente, no nosso País não têm se mostrado os melhores representantes e defensores dos interesses dos trabalhadores, na medida em que a grande maioria deles não tem praticamente nenhuma representatividade e outros tantos ainda não se aperceberam da dimensão real do seu papel em um Estado que se pretende democrático, fraterno e solidário tendo o trabalho como um valor sócial(2). Assim, sobre o trabalho – que como já destacava o Papa Pio XI “é a fonte única de onde procede a riqueza das nações” – e a que todos têm direito, estabelece-se um ordenamento jurídico de clara finalidade corretora com pretensão niveladora das situações de poder que se desenvolvem nas relações laborais contratuais e normativas configurando um setor do ordenamento jurídico regido por princípios orientados a proteger a parte mais fraca que em regra é o trabalhador, visando à melhoria da condição social deste(3) diversificando, assim, a relação ou contrato de trabalho em relação a outras relações contratuais afins, civis ou mercantis(4). O direito ao trabalho é, pois, um direito social de natureza fundamental protegido constitucionalmente e que ao mesmo tempo constitui um dever. Cumpre, pois, ao Estado buscar através de políticas públicas e do modelo de desenvolvimento diminuir as desigualdades sociais especialmente através do fomento ao emprego(5). Entretanto, a implementação prática do direito ao trabalho na vida do trabalhador depende essencialmente de fatores de ordem econômica e política e, principalmente do modelo de desenvolvimento econômico do País, na medida em que a simples afirmação no Texto Constitucional de que o trabalho constitui um valor social e, portanto, um direito fundamental do qual depende o exercício de muitos outros direitos, não tem a capacidade de torná-lo efetivo. Daí parecer acertada a afirmação doutrinária(6) de que a exclusão social pela negativa de implementação do Direito do Trabalho e do direito ao trabalho – digo eu – consubstancia forma enfática de discriminação das grandes maiorias, “essa chaga gritante de exclusão social, que nos coloca em posição constrangedora no rol dos piores países e sociedades em termos de distribuição de renda em redor do mundo”. No Brasil, e em que pese à promessa feita em campanha pelo atual Presidente da República de criar no seu Governo dez milhões de novos empregos, a realidade do desemprego ronda os lares de milhares se não milhões de trabalhadores, inclusive em Mato Grosso do Sul e mais especificamente aqui na Região Sul do Estado que foi afetada por sucessivos fenômenos naturais como as secas de 2003 e 2004 e agora mais recentemente em 2005 e 2006 pela febre aftosa e pela gripe aviária que deixam inúmeros trabalhadores desempregados com suas famílias sem condições mínimas de sobrevivência encerrando de uma DATA_HORA para outra as atividades de pequenos e médios empreendedores rurais que proporcionavam empregos para essas pessoas. Mesmo diante desse terrível quadro não se viu até o momento nenhuma medida concreta por parte dos Governos Federal, Estadual e Municipais para a reversão dessa difícil situação e nem mesmo os sindicatos se mobilizaram para conseguir algum ID_TIPO de negociação com as empresas e os empreendedores que estão demitindo em massa seus trabalhadores por não terem mais condições de mantê-los, pois afetados de forma direta pelos aludidos eventos, quadro que agora é agravado sobremaneira pela política cambial do Governo Federal que culminou no movimento de fechamento das rodovias, tomada de espaços públicos e privados por pecuaristas, caminheiros, pequenos e grandes produtores rurais talvez como única e última forma de chamar a atenção das autoridades governamentais para a gravidade do problema, mas que até agora parece não ter atingido o seu objetivo. Ao contrário, o senhor Presidente da República em um dos mais recentes e desastrados pronunciamentos teria afirmado que entre aqueles que protestam contra a sua política econômica e cambial haveria “cretinices”(7), o que evidencia o quão grave é a crise. Esse quadro mostra que a questão do desemprego tende a se agravar sem que se veja, pelo menos a curto e médio prazo uma solução, na medida em que não se adotou até o momento nenhuma medida concreta para reverter o impasse. É claro que sendo o Mato Grosso do Sul um Estado historicamente vocacionado para a agropecuária, para o agro negócio, quando referido setor entra em crise como agora, o desemprego é mera conseqüência. Por conseguinte, não podem as autoridades permanecer de braços cruzados como até agora se encontram. É preciso que sejam adotadas medidas emergenciais de recolocação no mercado daqueles que perderam o emprego e o trabalho. Não se mostra suficiente para reverter o quadro grave de desemprego em que se encontra esta Região do Estado do Mato Grosso do Sul a simples concessão do seguro-desemprego por certo período, menos ainda a distribuição para determinados trabalhadores desempregados de cestas-básicas, com objetivos eleitoreiros, pois esse ID_TIPO de assistencialismo evidentemente somente tende a agravar o problema social. Urge, pois, a criação de programas emergenciais de qualificação e requalificação profissional dessas pessoas para que elas possam ser reinseridas no mercado de trabalho talvez em outros ID_TIPOs de atividades e funções. Por óbvio, todavia, que para isso se torne possível é indispensável repensar o modelo econômico e a política cambial posta em prática pelo atual governo que privilegia o capital especulativo em detrimento do trabalho produtivo. Precisa-se, assim, implementar uma política de investimentos na educação, na saúde, na construção civil, no agro negócio, no campo da prestação de serviços como no setor do turismo e tantos outros de forma a gerar trabalho, emprego e renda para que aqueles que hoje estão à margem do processo produtivo possam nele ser inseridos ou reinseridos. Essas medidas se não impedem pelos menos tendem a diminuir o desemprego e a violência evitando que acontecimentos graves como os recém ocorridos nas prisões de vários Estados venham a se repetir sacrificando a liberdade e a vida de inocentes que não podem ser responsabilizados pela ineficácia do Estado. Aqui na Região Sul do Estado de Mato Grosso do Sul, onde a questão do desemprego é ainda mais grave porque direta e imediatamente afetada pelos fenômenos da seca, da aftosa, da gripe aviária e pelo equívoco da política cambial do governo, o quadro de desemprego é bastante dramático e tem se refletido inclusive no número de ações ajuizadas por trabalhadores desempregados. Nos primeiros três meses de funcionamento da Justiça do Trabalho em Dourados este ano foram ajuizadas mais de 1.200 novas reclamatórias, e certamente esse número não é maior porque muitos daqueles que foram demitidos nesse período ainda estão recebendo seguro-desemprego, e a experiência demonstra que enquanto o trabalhador recebe o mencionado benefício costuma não reclamar perante a Justiça Laboral. Esses dados evidenciam a gravidade da crise que precisa ser enfrentada de forma concreta e corajosa com medidas efetivas e não com disID_CURSOs ou frases de efeito, nem tampouco com distribuição de cestas-básicas com objetivos eleitoreiros, prática constante no atual Governo. O “trabalho é a base para o exercício dos direitos do cidadão, e reconhecê-lo implica, conseqüentemente, interligar o sujeito à sua dignidade como pessoa e ao seu projeto igualitário fixado, em nível coletivo. Trabalhar é a condição de exercício de importantes prerrogativas de cidadania e a privação dessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada, não só implica a vulneração do direito ao trabalho, mas a dificuldade de exercício de outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente”(8). Assim, sem trabalho não se pode falar de cidadania, de dignidade do trabalhador. Sem trabalho, já alertava há alguns anos o compositor Gonzaguinha, o homem não tem honra, e sem honra não se vive, se morre. NOTAS (1) Art. 1º, inciso IV combinado com os art. 6º e 170, inciso VIII do Texto de 1988. (2) 2 Preâmbulo da Carta de 1988. (3) Art. 7º da Carta da República, promulgada em 04.10.1988. (4) Ao contrário do direito em geral, o direito do trabalho não se preocupa com o modus vivendi do corpo social, mas com a amenização da exploração do trabalho humano, que se realiza em nítido desvirtuamento da justiça. Por conseguinte, não pode ser examinado nos estritos contornos do direito em geral porque suas premissas são distintas. “O direito do trabalho não é um direito de dominação, mas de subversão”, pois “sua estrutura não deixa de ser marcada pelo positivismo, mas à sua base está, indiscutivelmente, uma preocupação com a justiça, mas especificamente com a justiça social”. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000, p. 248. (5) Art.4º, incisos II, II e IV combinado com o art. 170, incisos VII e VIII da Constituição. (6) GODINHO DELGADO, Maurício. Direito do Trabalho e Inclusão Social: O desafio brasileiro. In Capitalismo, Trabalho e Emprego. São Paulo: LTr, 2006, p. 120-143. (7) <>. Capturado em 19.05.06. (8) BAYLOS GRAU, Antonio. Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito ao trabalho como direito constitucional. In: Revista Trabalhista Direito e Processo. Rio de Janeiro: Forense/Anamatra, v. X (abr./mai./jun.), 2004, p. 22-51.

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