Artigo: O descaso do Estado pela questão indígena.

FRANCISCO DAS CHAGAS LIMA FILHO* A questão indígena voltou a ser objeto de discussão, especialmente em face das denúncias divulgadas praticamente por todos os jornais locais e também pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, quanto ao estado de abandono, miséria e fome em que se encontram os indígenas, especialmente as crianças das aldeias de Dourados, o que para aqueles que, como nós, envolvidos e preocupados com a situação dos indígenas, não é nenhuma novidade. Talvez, seja novidade somente para os que têm o dever de protegê-las, mas não o fazem. De fato, os povos indígenas histórica e sistematicamente têm sido discriminados e abandonados não apenas no Brasil. Porém, aqui, isso não deveria ocorrer, uma vez que o país é signatário de vários convênios internacionais contra a discriminação – inclusive, as Convenções 111 e 169 da Organização Internacional do Trabalho que, aprovadas pelo Congresso Nacional e publicadas por Decreto presidencial, passaram a integrar o ordenamento jurídico nacional – e, portanto, o seu cumprimento é obrigatório, especialmente, pelo Poder Público. Na verdade, desde o início da intervenção nas Américas, os conquistadores tentaram destruir as culturas dos povos indígenas transformando a sua história a uma pré-história sem importância. Por conseguinte, a conquista do continente, na realidade, foi uma conquista de riquezas. Para poder concretizar esse desiderato os conquistadores e colonizadores tiveram que enfraquecer a resistência dos povos indígenas ocupando seus territórios e sua memória, praticamente destruindo suas tradições, na medida em que os exploraram e até mesmo escravizaram a sua mão-de-obra, o que, diga-se de passagem, até hoje ocorre em algumas regiões, inclusive no Brasil. Com razão, portanto, Paulo Suess ao afirmar que “os primeiros colonizadores seguiram geograficamente os caminhos abertos pelos conquistadores qualificando o passado religioso dos povos indígenas de idolatria, enfermidade, mentira dos demônios, com o evidente e indisfarçável objetivo de destruir o passado histórico, as tradições e os valores culturais desses povos”. Por isso, pode-se dizer, sem nenhum exagero ou constrangimento, que para os povos indígenas, a conquista e a exploração de suas terras e de seu território pelos colonizadores não foi o começo de sua história – que a bem da verdade, deve-se lembrar, começou aproximadamente 40 mil anos antes de Cristo com os migrantes que vieram da Ásia para o continente americano –, mas uma nefasta “intervenção estrangeira” nesta história que foi agredida, saqueada, reduzida e praticamente destruída ao longo de 500 anos. Mas mesmo assim, ante tanta violência, graças a sua cultura sobrevivem, resistem contra a morte e lutam pela vida até hoje e já começaram, felizmente, a recuperar o orgulho de povo, a falar a língua em praça pública, a reclamar perante o Poder Judiciário os seus direitos, especialmente os direitos trabalhistas e pela posse da terra, e como nos lembra com sabedoria Carlos Frederico Marés de Souza Filho, a não apenas reivindicar direitos, mas, também a aplicar o seu próprio Direito. No Brasil, o processo de conquista e de destruição não foi e nem é diferente. E isso se consta com uma simples visita a qualquer uma das aldeias aqui em Mato Grosso do Sul e, até mesmo, pela leitura dos jornais que a toda DATA_HORA denunciam o estado de miséria e abandono em que esses povos se encontram, especialmente nas aldeias de Dourados. Em que pese estar expresso na Constituição da República que Brasil constitui um Estado Democrático de Direito, tendo como princípios fundamentais a não discriminação e a redução das desigualdades, e o atual Governo ter como carro-chefe de sua política social o combate à fome, estamos assistindo aqui, nas aldeias de Dourados, sem que praticamente nada seja feito pelas autoridades locais, estaduais e federais, a desnutrição e a morte de muitas crianças e, talvez, até mesmo de pessoas adultas, especialmente as velhas. É um absurdo, mas é verdade que em pleno século XXI, num país tão rico e solidário como o Brasil, atualmente é governado por um homem que sempre pregou a inclusão social, tenhamos que assistir a morte, pela fome, de inocentes e indefesas crianças indígenas bem ao nosso lado. Por todo o país, muitas instituições deflagraram, corretamente, campanhas de arrecadação de valores e de alimentos em benefício das vítimas do maremoto na Ásia. Todavia, até agora, apesar da grave e trágica situação de miséria, de doenças e de fome em que se encontram os nossos irmãos indígenas, nas várias aldeias neste Estado, e em especial das de Dourados, praticamente não se viu nenhuma instituição quer privada quer pública conclamar a população para ajudar aquelas miseráveis e famintas pessoas. E porque assim não se fez? Respondo: simplesmente porque existe no Brasil um inadmissível sentimento de preconceito contra os indígenas e muitas pessoas, sem, sequer, se conhecer a bela e rica história e cultura desses povos ainda acham que eles são um problema e não nossos irmãos, quando, na realidade, são os verdadeiros e naturais donos desse imenso País. O Texto Constitucional impõe à União – que tutelou os indígenas não para lhes dar proteção, mas para dominá-los como de fato o tem feito ao longo da História desse país – o dever de proteger os direitos indígenas para que os indígenas possam continuar existindo com seus costumes, línguas e tradições, reconhecendo-lhes sua organização social, admitindo a existência no Brasil de povos culturalmente diferenciados e autônomos. Para óbvio afirmar que o Texto Constitucional não leva em conta uma pretensa e equivocada igualdade formal desses povos, abandonando-os à própria sorte na selva capitalista, em que imperam a ambição desenfreada, a busca da lucratividade a qualquer custo, mas de protegê-los respeitando as suas normas e os seus valores culturais, como de modo expresso reza o art. 231 da Carta. Por isso, tem o Poder Público o dever de assistir e proteger de forma concreta aos indígenas demarcando as suas terras para que a promessa do constituinte se faça realidade, de modo a lhes permitir explorar essas terras de acordo com sua cultura e valores, criando condições que lhes dêem condições de viver de forma decente, preservando a sua cultura, as suas tradições, os seus valores espirituais quase totalmente destruídos pela ausência de proteção efetiva daquele que os submeteu ao “regime tutelar” que, como se disse acima, até agora não passou de opressão e abandono. As denuncias que diariamente a imprensa tem levado à sociedade quanto ao estado de abando, miséria e fome a que estão submetidos os indígenas neste Estado de Mato Grosso do Sul, e de resto em todo o país, é uma prova irrefutável do descumprimento do dever constitucional por parte do Estado. É preciso reagir a esse triste e inadmissível quadro. A sociedade precisa se mobilizar em uma verdadeira cruzada para exigir do Estado – tutor legal e constitucional dos indígenas – a adoção de medidas urgentes para amenizar de imediato a fome, a desnutrição e a miséria em que se encontram. Mas isso não é suficiente. É preciso que se proceda, também, urgentemente, a demarcação das suas terras, devolvendo-as aos seus verdadeiros e naturais donos – os indígenas – para que nelas possam trabalhar, produzir e resgatar a sua dignidade, os seus valores, as suas tradições e a sua cultura. Sem essa urgente providência, que na verdade é uma imposição e um dever constitucional, nenhuma outra medida será eficaz. Entretanto, como a questão da fome é a mais grave de todas, devemos conclamar todas as pessoas de boa vontade e as instituições públicas e privadas para se mobilizarem em uma grande campanha de coleta de gêneros alimentícios, roupas, calçados e remédios a serem doados aos nossos irmãos indígenas, especialmente, àqueles das aldeias de Dourados, de modo a diminuir a fome dessas pessoas que o seu tutor legal e constitucional abanou à própria sorte. * Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados-MS. Professor na UNIGRAN, doutorando em “Direito Social”, na Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha.

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