Opinião: A questão da tutela indígena.

O autor entende ser urgente a aprovação do Estatuto das Sociedades Indígenas, a fim de se superar uma legislação que discrimina os povos indígenas.
Francisco das Chagas Lima Filho* A tutela aos povos indígenas foi introduzida, entre nós, em 1831 com a entrega dos índios libertos aos juizes de órfãos e, segundo seus idealizadores, teria vida provisória. Sua vigência estava limitada ao último índio que viesse a ser integrado à produção ou falecido, e objetivava dar proteção aos bens dos indígenas. Portanto, foi introduzida no Direito pátrio diretamente às pessoas ou aos bens dos indígenas com o fito de protegê-los. Todavia, como sabemos, jamais conseguiu alcançar e certamente nunca alcançará, no campo prático, esse desiderato. Com o Código Civil de 1916, os indígenas foram considerados relativamente incapazes e remetidos ao regime tutelar que, todavia, deveria cessar na medida em que se adaptassem à civilização ou à comunhão nacional. Como se vê, a política do integracionismo e do assimilacionismo foi incorporada pelo revogado Código Civil de 1916 e, infelizmente, é até hoje defendida por alguns menos avisados que ainda não tiveram o cuidado de ler e entender o que reza art. 231 da Suprema Carta. No ID_CURSO de toda a vigência do referido Código, a tutela que teria por objetivo dar proteção aos indígenas foi usada para discriminá-los, pois quantos direitos foram e ainda são negados a essas pessoas em nome de uma proteção que na realidade não passou até hoje de pura discriminação. Com a Constituição de 1988, pelo menos formalmente, foi rompida a tutela orfanológica; porém, as medidas concretas para fazer valer os direitos constitucionalmente garantidos aos indígenas até agora não foram efetivamente tomadas, como, por exemplo, a demarcação de suas terras, o respeito ao seu direito de terem direitos. No novo Código Civil, de 2002, a questão da capacidade do indígena foi remetida à legislação especial, ou seja, ao Estatuto do Índio, na medida em que o novo Diploma estabeleceu, no parágrafo único, do Artigo 4, que a capacidade do indígena será regulada por legislação especial. Por força do Artigo 7º da Lei 6.001/73 – Estatuto do Índio –, uma das leis do período autoritário que ainda tentam resistir aos valores democráticos albergados no Texto de 88, os índios e suas comunidades ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar, incumbindo a União, leia-se FUNAI, de acordo com o disposto art. 7º, § 2,º assisti-los na prática dos atos da vida civil, declarando o art. 8º a nulidade de pleno direito os atos praticados por indígena não-integrado ou por pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutor. Essa tutela tem características específicas, pois é o próprio Estado quem a impõe, por força de norma por ele mesmo ditada e por ele próprio exercida. Como lembra Dalmo de Abreu Dalari (1), “no regime de tutela comum, a nomeação de um tutor se faz com a intervenção judicial e o Ministério Público fiscaliza o exercício da tutela, podendo, inclusive, pedir a destituição do tutor. No regime de tutela especial estabelecido para os índios não há a intervenção judicial, pois a própria lei já indicou o tutor, que é um órgão vinculado ao Poder Executivo Federal e cuja responsabilidade também escapa ao controle judicial (...). Desse modo, o exercício da tutela fica, inevitavelmente, condicionado à política indigenista do Poder Federal”. E o mais grave, lembra-nos Lásaro Moreira da Silva (2), o Estado-tutor não tem responsabilidade civil objetiva no exercício dessa tutela, porque somente responde por prejuízos causados se houver prova da existência de dano ao patrimônio ou de que o ato foi praticado de forma contrária à lei, não sendo bastante para caracterizar a responsabilidade mera prova de que a conduta se mostrou prejudicial ao patrimônio ou aos direitos e interesses dos indígenas, como vem ocorrendo no caso da prescrição trabalhista em que tutor, vale dizer, o Estado não age e quando chamado a assegurar o direito violado simplesmente declara, impunemente, que a ação que deveria ter sido por ele próprio ajuizada em tempo oportuno e não o foi, encontra-se prescrita. Então, o que temos e sempre tivemos desde o primeiro momento da colonização ou conquista, é uma tutela tão fantasticamente discriminatória e cruel que tem a ousadia de se apelidar de protetora. Todavia, no campo da realidade, até agora não conseguiu senão discriminar, excluir e causar sofrimento àqueles a quem deveria proteger. É preciso, pois, ser repensada, inclusive quanto à questão do órgão tutor que não consegue e parece que nunca conseguirá se legitimar perante as comunidades indígenas. É indispensável e urgente a aprovação do Projeto de Lei (PL 2.057/91) que trata do Estatuto das Sociedades Indígenas que se encontra dormitando no Congresso Nacional, e que, apesar de não ser uma maravilha, de certa forma melDATA_HORA o tratamento aos povos indígenas, pois trata de várias questões que precisam ser enfrentadas, inclusive daquela ligada à tutela e à demarcação das terras, em torno das quais ainda existem muitas divergências e desinformação. Parece evidente que a tutela deve resgatar o objetivo para o qual foi criada, qual seja, dar proteção no seu exato sentido e não se transformar, como até agora tem ocorrido, em instrumento de discriminação daqueles a que deve proteger. Por isso, não pode ser revogada de uma DATA_HORA para outra deixando os povos indígenas entregues à própria sorte, mas deve ser exercida de forma responsável para que aqueles a ela submetidos sejam efetivamente protegidos e não como até agora tem ocorrido. Parece-me que, com a aprovação recente, em 19 de abril, da Convenção 169 da OIT, começaram-se a dar os primeiros passos no sentido de assegurar, entre nós, os direitos dos povos indígenas. Todavia, é preciso que todos estejamos conscientes, especialmente aqueles que têm a nobre tarefa de julgar, que os direitos reconhecidos e proclamados na aludida Convenção e no Texto da Carta da República, em especial, os que constam dos arts. 231 e 232, precisam ser assegurados no campo da realidade prática para que não passem, como até agora tem ocorrido, de mera promessa do legislador. * Juiz Titular da 2a Vara do Trabalho de Dourados – MS. Professor de Direito Processual do Trabalho na UNIGRAN. Mestre em Direito e Estado pela UnB/UNIGRAN. (1) ABREU DALARI, Dalmo de. O ÍNDIO; SUA CAPACIDADE JURÍDICA E SUAS TERRAS. Parecer apresentado à FUNAI em 09.09.78. São Paulo: 1978. (2) MOREIRA DA SILVA, Lásaro. In: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Org.). NA FRONTEIRA: CONHECIMENTO E PRÁTICAS JURÍDICAS PARA A SOLIDARIEDADE EMANCIPATÓRIA. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 369/360.

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