Revista Multidisciplinar da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Unigran | ISSN-1981-3775

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EDITORIAL

HEMOGRAMA É UMA “FOTOGRAFIA”

Olá pessoal, muitos devem estar se perguntando:” Como assim o hemograma é uma fotografia”?! Pois vamos lá!

O hemograma é um exame complementar solicitado na grande maioria dos casos clínicos. Seja em um pronto socorro ou em solicitações ambulatoriais, sempre está lá o nosso famoso exame. E para todos os profissionais da área de saúde é crucial entender ou saber interpretar as partes de um hemograma. Lembrando que aqui não vamos esgotar o tema, pois é um mundo vasto de informações sobre as condições celulares do tecido hematopoiético.

Como bem sabido, este exame é dividido em três partes, que sempre virão em um único laudo com vários dados das células sanguíneas. Atualmente, a maior parte dos laboratórios de médio a grande porte já se utilizam de automação para realização deste exame, fato tal que moderniza e traz confiança aos resultados.

A primeira parte é a série vermelha, responsável pelo transporte de oxigênio aos tecidos, onde temos a contagem das hemácias, dosagem da hemoglobina, e o cálculo do hematócrito. Deste último temos os derivados, chamados índices hematimétricos: humanos.

o Volume Corpuscular Médio – VCM (avalia o tamanho das hemácias); o Hemoglobina Corpuscular Média – HCM (avalia a quantidade média de hemoglobina por hemácia); o Concentração de Hemoglobina corpuscular Média – CHCM (equivalente ao HCM reflete a concentração de hemoglobina dentro da hemácia); o E ainda o RDW que é um índice que demonstra a variação do tamanho das hemácias.

Conseguem começar a perceber por que, na minha opinião, o hemograma é uma ”fotografia”?

É pelo fato de que refere-se a um momento da condição hematológica do paciente. Por mais que na série vermelha essas mudanças sejam difíceis de perceber tão rapidamente, na série branca podemos ter alterações em um tempo mais reduzido. Vejamos.

A segunda parte do hemograma é a série branca, ou os leucócitos, células especializadas na defesa do nosso organismo. Dentre essas células temos neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos e linfócitos, distribuídos em suas devidas proporções em condições normais. Costumo, quando em aula, comparar esses leucócitos a um pequeno exército, a nível didático. Eles são produzidos em uma base militar, chamada medula óssea, de onde são liberados para corrente sanguínea. Apenas, lembrando que as hemácias, já citadas, e as plaquetas, também são produzidos na medula óssea.

O primeiro a ir para o front de batalha em qualquer condição patológica, seja ela viral, bacteriana ou fúngica, é o neutrófilo, onde este com sua maquinaria celular enzimática procura defender o organismo. Ele possui um tempo de vida de 6 a 8 horas, podendo prolongar um pouco em condições inflamatórias. Em ataques de parasitas intestinais multicelulares temos como defesa os eosinófilos, com tempo de vida de 6 a 12 horas. Os basófilos estão em uma pequena proporção no sangue e são responsáveis por liberar histamina e heparina agindo em processos alérgicos evitando a coagulação do sangue, duram de 01 a 02 dias. Os monócitos são células em trânsito na corrente sanguínea, que ao chegarem nos tecidos recebem a denominação de macrófagos e são responsáveis por fagocitar microrganismos, duram de 01 a 03 dias. Já os linfócitos são “snipers” agindo na maior parte das vezes em apenas um agente causal do processo patológico, geralmente vírus, podendo perdurar por anos na corrente sanguínea.

Estes dados reunidos sobre a série vermelha elucidam a condição das hemácias em dado momento, em determinada condição clínica do paciente. As hemácias possuem uma sobrevida média de 120 dias, portanto clinicamente, em pessoas saudáveis, as mudanças nessas condições são mais difíceis, mas em condições patológicas ou até em transfusões sanguíneas elas podem se alterar mais rapidamente. Outro caso, por exemplo, seria a perda de sangue por processos hemorrágicos, o que traria um déficit ao volume sanguíneo de forma mais evidente. As condições da série vermelha, na maioria dos casos, ajudam na avaliação de processos anêmicos que podem ser anemias carenciais, como a falta de ferro e vitamina B12, ou anemias de caráter genético, como as talassemias e a anemia falciforme. Essas anemias trazem alterações nos índices hematimétricos, que podem ser notados na fase automatizada do exame, onde há alterações nos valores destes índices, e também podem ser vistos na microscopia. Para elucidar podemos tomar como exemplo a anemia carencial por ferro, onde teremos VCM baixo elucidando uma microcitose - diminuição do tamanho das hemácias - um HCM e CHCM baixos elucidando uma quantidade reduzida de hemoglobina distribuída por hemácia, demostrando uma hipocromia, e muitas das vezes um RDW elevado demonstrando uma variação do tamanho das hemácias, principalmente nos momentos iniciais da reposição de ferro onde teremos dupla população de hemácias. Como exemplo de diagnostico diferencial teremos, praticamente as mesmas condições: VCM, HCM e CHCM baixos, mas um RDW normal caracterizando uma talassemia.

São muitos os processos patológicos onde os leucócitos agem, portanto cada um deles ativa e/ou consome uma determinada linhagem leucocitária, podendo alterar tanto sua forma quanto sua quantidade, e estes dados, juntamente com a anamnese, orientam o clínico no diagnóstico ou prognóstico de uma doença.

É por último e tão importante quanto os outros, nós temos a terceira parte do hemograma, que é a contagem de plaquetas. Esta não é uma célula, mas sim um fragmento de célula oriunda do megacariócito, situado na medula óssea. As plaquetas tem um papel importante na homeostase da coagulação e ajudam na fabricação de coágulos que impedem o extravasamento sanguíneo quando um vaso é rompido, por exemplo.

Reforçando que muitas dessas células possuem mais de uma função e que não seria possível explorá-las todas aqui. Neste contexto posso dizer que o mundo da hematologia é fascinante e fácil de se apaixonar por ele.


Thiago Félix de Miranda Pedroso
Farmacêutico Bioquímico
Especialização em Hematologia Laboratorial pela Universidade de Cuiabá - UNIC. Mestre em Ciências de Saúde pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD